quarta-feira, 3 de abril de 2019

Voy a Ser Su Madrina

Esta frase ouvi da querida Angelita Navarro de Andrade, logo que nos conhecemos.
Me pareceu engraçado, pois ela já tinha 83 ou 84 anos e eu não estava para casar.
Como em todo Cruzeiro ,uma pessoa sozinha na mesa de jantar é convidada para outra mesa com mais pessoas Assim convidaram Angelita à sentar conosco.
Essas mesas de transatlânticos são elos de amizade para a vida toda.
Conservo as minhas com muito carinho.Assim foi com essa doce senhora,que ficou  da família.
Não imaginávamos que sua bagagem não era a da cabine mas a que carregava com ela. Malas de Surpresas que ia desvendando á cada dia de navegação.
Viuva há 23 anos de um homem ilustre Pai da Eucaliptocultura no Brasil, apaixonado por nossas matas..Que faleceu aos 60 anos.Passou a vida plantando e pesquisando .Jequitibá , Cedro , Cabreúva ,Canela ,Carvalho , Pinheiro e outras.
Com vários livros publicados sobre o reflorestamento de nossas terras e sobre juta, borracha e café
Sentados  ouviamos as histórias fantásticas entre fazendas e viagens ao exterior . Japão, Malásia , Ceilão , Palestina, Egito . Nos  Estados Unidos as experiências com troncos de eucalipto para fazer papel.
Estudioso, nunca decepcionou sua madrinha , Veridiana Prado .
Era o ano de 1964 e eu com 16 anos fazia minha primeira travessia com o navio Espanhol da linha Ybarra ,Cabo San Roque.
Naquele tempo era um glamour  viagem de navio .
Hoje um pouco menos.
Ela vestia sempre roupas elegantíssimas, sandálias de salto médio douradas e muitas joias que sobressaiam nos dedos longos e unhas vermelhas.Costumava ir ao cabelereiro do navio.
Com seus olhos muito azuis mostrava uma personalidade forte e decidida.
Como eu estava na adolescência , tinha algumas espinhas e ela me proibia de comer os queijos divinos porem  gordurosos.
Para surpresa nossa, sentou um dia na mesa e disse:
Prometi para a dona de La Boutique que Verinha vai desfilar para ela!E assim foi. Me transformei em modelo nas passarelas do navio!
Nunca havia visto meu pai aceitar  passivamente uma ordem dessas.
Desta vez ficou calado .
Quem cala, consente!
Dava gorjetas muito altas e conversava misturando português com espanhol
Quando desceu na Espanha estava emocionada e chorava.
Verinha, aquela é Angelita Coral, neta de minha hermana!Iremos juntas na Procissão de La Giralda.Todos os anos na Semana Santa vamos!
Angelita, nasceu em Sevilha e dançava Flamenco em uma cueva quando o brasileiro Edmundo Navarro de Andrade ,  estudante de Coimbra se apaixonou pela dançarina.
Ao se formar foi busca-la e vieram para o Brasil..
O agrônomo famoso, introdutor do eucalipto no Brasil, figura importante na nossa Companhia Paulista da Estradas de Ferro, fez fortuna.Membro da Academia Paulista de Letras.Secretário da Agricultura .
A ideia da ferrovia era levar o café cultivado no interior por trens para Santos e exportar.
Sendo São Carlos -Rio Claro.Passando por varias cidadesFoi fundada a Companhia Rio Claro que levava até Araraquara.
Para unir a Companhia Paulista com a Companhia Rio Claro ,Mogiana , Descalvadense e Santa Rita , o casal vivia enfrentando estradas e viagens ao exterior.
Angelita trouxe a mãe e a irmã para viverem no Brasil.
Sua vida de fazendeira com grandes glebas de terra em Araras e Rio Claro.Se adaptou perfeitamente ao Brasil e aos nossos costumes.
Hoje sua casa é museu.
Museu Edmundo Navarro de Andrade onde se localiza o Horto Florestal da cidade.Lá se encontra sua trajetória e as 150 spécies de plantas que trouxe de suas viagens.
Um dos jardins admirados até hoje é o do Grande Hotel São Pedro, pois como amigos da família Moura Andrade frequentavam as termas. Os Rododendros que circundam a piscina foi Angelita que plantou.
Muito bem , não imaginava que uma dessas rodovias de estrada de ferro tinha passado na cidade que hoje tenho chácara .
Até então a história dela comigo era peculiar .
O tempo passou , eu namorei e casei com um rapaz que por coincidência nasceu na rota da Estrada de Ferro tão familiar à ela.
Fomos convidados, meu pai, minha mãe e eu para um churrasco de amigos em Vargem Grande do Sul. Época de deliciosas jabuticabas . Quando conheci meu futuro marido , nossa conversa chegou no ponto: Angelita!
Onde você mora?
Na João Adolfo,
Minha amiga Angelita também!!Quando vem para São Paulo tem um apartamento no numero tal.
Meu prédio, disse ele.
Contei para ela e rimos muito!
Portanto foi convidada à ser madrinha de casamento!Três anos depois de nossa famosa viagem, me casei .No altar, com chapéu e aqueles olhos azuis que cintilavam , a grande dama realizou sua frase.
Voy ser su madrina
Acompanhou minha vida até completar 94 anos.Adorava o mar, nadava até bem idosa.Tinha um quadro lindo no seu quarto;La Vigem de Las  Oliveras.Adorava o Rio de Janeiro, a Colombo e seu apartamento era na Nossa Senhora de Copacabana. Seu medico predileto : Pitangui. Sua fiel servidora Conceição.Seu sobrinho de São Paulo:Armando
Suas lágrimas de saudade;Pedro e família.Sua fé Virgen de Macarena .Seu ídolo:O marido que entre tantas palavras escreveu no livro dedicado à ela
Para mimha esposa Angelita que tão corajosamente me tem feito suportar o mato!
Vinha para São Paulo e me ligava:
Verinha faça uma lentilha! Voy a comer com usted !Somente lentilha e panzinho!
Hoje,o quadro dela à óleo esta na minha sala, esperando o museu aceitar sua volta para casa. Continuei à fazer travessias e amizades nas mesas do jantar . Aprendi muito nesses anos todos e minha bagagem aumenta, não na cabine, mas nas lembranças .Sempre me parece que estou ouvindo entre um apio e outro
Verinha, Voy ser su Madrina!!