Rocambole

Muitos têm me perguntado por que faço tantos rocamboles.De fato nunca fui à fundo nesta questão e tenho muita facilidade para fazer sem quebrar e isso já é um privilégio para qualquer cozinheira.

Minha história com ele vem da infância.

Acredito que no momento que bato as gemas,misturo os ingredientes  repito atos conhecidos pelas mãos de minha mãe.Como disse nunca havia pensado nisso,mas o meu afeto fica registrado na frase:Vou te fazer um rocambole!!

Creia,quando ouvir isso de mim,é porque sua importância no meu coração é enorme.

Fui buscar bem lá na caixinha de sentimentos e lembranças para ver o porquê deste gesto.

Morava numa casa assobradada e antes do meu aniversário,ouvia chegar com sua voz tão querida Meu avô.Ele era muito excêntrico ,com seu jornal debaixo do braço ,o guarda chuva e o chapéu .

Diferente de minhas avós ,que iam me buscar na escola e faziam comigo aventuras e pic nic,contavam histórias e me ensinavam tricotar.

Vovô era rebelde ,falava de política,tinha uma vida amorosa bem animada e se separou muito cedo de minha avó.

Culto,de família tradicional,conversava em francês e era um dentista-medico.Digo isso,pois faz até o último ano de medicina e optou pela odontologia.Nunca deixou de ser médico,pois tinha uma lucidez maravilhosa para esses assuntos.

Não me perguntei nunca porque vinha antes das festas de aniversário.

Mas,com sua voz de tenor,lá estava ele na sala com a cesta de jabuticabas,que são as frutas do meu mês,e um lindo rocambole.

Para mim,na minha ingenuidade,uma figura querida e singular.

Era Corintiano e gostava de uma discussão sobre futebol,religião,política.

Eu entrava na sala muito encantada com esse homem bonito,inteligente que vivia nos padrōes diferentes por escolha própria e ria dos comuns mortais.

Mas tinha o gesto carinhoso de trazer as frutas de seu quintal e junto o rocambole.

A massa muito amarela de ovos de suas galinhas e o recheio de goiabada mole.

Minha empregada fez para você !!

Depois de muitos anos fiquei sabendo que era sua segunda esposa a confeiteira.

Lola,que minha mãe perdoou com muita facilidade era ótima na cozinha.

Que pena os preconceitos de uma época onde se escondiam segundas oportunidades de vida,afetos encobertos.

Se fosse hoje abraçaria essa mulher que me fazia um presente tão singelo!

Diria:Lola,você não é minha avó mas me deu a receita do afeto transformado em rocambole!

Rocambole que viro com muito cuidado para não quebrar o encanto,o místico gesto que traz para em mim um silêncio da sua presença escondida,um mito ao queimar o açúcar da superfície como minha mãe terminava.

Talvez seja assim meu rocambole!

Um ritual onde aquela menina se tornou mãe e hoje faz para seus filhos comemorarem o dia dos país.

Meus amados,que Meu rocambole continue sendo seta,meta,afeto,bem querer!

E sonhando hoje na minha tarefa tão simples,me vi ensinando Maria Luiza e Clara!

Contando é óbvio a história de um dentista-médico que era lindo, livre de preconceitos,cheio de Savoir Faire e me trazia o mais amarelinho rocambole do mundo!!